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segunda-feira, 21 de julho de 2014

BALZAC - O PRIMEIRO ROMANCE DE VERDADE -


                    "Havia anos, Balzac devorava os romances de Walter Scot, que desde 1814, data da publicação de Wawerley, conheceram uma sucessão ininterrupta de êxitos dentro e fora da Inglaterra. Lia com entusiasmo crescente todas as obras traduzidas em francês desse "trouvieur" moderno, que "elevava o romance ao valor filosófico da história", unindo nele "o drama, o diálogo, o retrato, a paisagem, a descrição, e introduzindo no gênero "o maravilhoso e o verdadeiro, esses elementos da epopeia. 
            Com exceção de dois romances, Guy Mannering e The Antiquary, de assunto moderno, todas as outras narrativas em prosa de Scot entram na categoria de romance histórico. O escritor escocês revivia as épocas heroicas de seu país em amplas visões épicas cheias de poesia. Saíra cedo do gênero frenético e sombrio, distinguindo-se logo por um talento equilibrado e feliz e pelo trabalho consciencioso que se impunha na reconstrução do ambiente histórico por meio de uma infinidade de pormenores, fruto de pacientes pesquisas. Fazia viagens periódicas nas regiões da Escócia que escolhera para cenário de seus romances, examinava os lugares, visitava as casas antigas, percorria os arquivos, dava uma verdadeira caça às antiguidades, criando assim o romance histórico baseado em documentos. 
                    A leitura dos livros de Scot fizera Balzac compreender ainda mais a nulidade de suas primeira tentativas literárias. As suas personagens, fantoches sem realidade, movimentavam-se no vácuo, faltando-lhes o dom da vida e, em volta delas, um ambiente de verossimilhança. Mas a aprendizagem da vida e as leituras modificam completamente o seu conceito de literatura. Tinha agora um assunto grandioso, que, bem realizado, podia dar um verdadeiro fresco da história recente da França; queria dar um quadro da sangrenta insurreição dos Chouans, os monarquistas da Bretanha, contra a Revolução Francesa, e, bem no centro, a história empolgante da paixão de uma bela espiã, ao serviço do governo, pelo chefe das forças rebeldes que viera espionar e seduzir. Movido pelo exemplo de Scot, e aproveitando a hospitalidade de uma casa amiga, dirigiu-se a Fougères, na Bretanha, para aí estudar de perto o seu cenário. Não se contentou em examinar os lugares. A lembrança da insurreição ainda estava viva: pôs-se a procurar informações, a recolher o testemunho de pessoas idosas, a anotar tudo, e voltou a Paris com o manuscrito quase pronto do primeiro romance de verdade que sairia da sua pena e que não hesitaria mais em assinar: "Le Dernier Chouan ou la Bretagne en 1800 ( titulo mudado mais tarde para Les Chouans ou la Bretagne en 1799. "A Bretanha em 1799".)
                 Que diferença entre este e todos os livros precedentes de Balzac! O enredo ainda é o que pode haver de mais romanesco, mas as personagens vivem; aliás, o interesse partilha-se entre a história dos amantes, o quadro da época e a representação do cenário. O autor conseguiu dar bem mais do que uma movimentada história de amor: a epopeia de toda a insurreição, fazendo que nas páginas do livro se sintam as palpitações de uma alma coletiva, bárbara e dominada por instintos primários. Outro encanto do livro eram as descrições das paisagens selvagens e sombrias da Bretanha, quase outra personagem da ação. 
                  Com todas as suas desigualdades, essa obra já revela mão de mestre. O romancista encontrou-se definitivamente, e nunca mais reincidiria na subliteratura. Tudo o que escreveria depois dos Chouans, em matéria de romances e de contos, seria obra de valor . 
                 Comparado com Walter Scot, seu discípulo assinala-se por uma particularidade bem francesa, de que, aliás, tinha plena consciência. O romancista escocês idealiza a paixão. Por temperamento ou para agradar a um público maior, desconhece o amor sexual e faz intervir, em suas narrativas, mulheres sublimes e pálidas, quase figuras de altar.  O romancista francês, desde seu primeiro verdadeiro romance, explora todas as riquezas da mina das paixões. "A paixão é toda a humanidade!" - escreverá anos depois no Prefácio da Comédia Humana, ao reconhecer a sua dívida para com Walter Scot. 
                   Por outro lado, em oposição a Scot - atraído pela épocas mais remotas da história nacional - Balzac logo de início escolhe um passado muito próximo, contíguo ao seu próprio tempo. No conjunto de sua obra, o romance histórico constituiria uma exceção, pois o romancista se compenetra cada vez mais de que a sua tarefa consiste em escrever a "história dos costumes" da sociedade francesa de seu tempo. 
                  A repercussão de "Le Dernier Chouan" não é nada extraordinária, mas já recomenda o autor à atenção de alguns entendidos em literatura. No mesmo ano, porém, alcança um sucesso retumbante, pois é um sucesso de escândalo, com sua espirituosa mas escabrosa "Fisiologia do Casamento". Este livro, que saiu poucos meses depois da morte do pai de Balzac, a quem o autor provavelmente deve a ideia central, e que teria ficado bem contente com o alvoroço, conquistou de chofre um público enorme. As mulheres censuravam-no, os homens defendiam-no, era objeto de discussão em todos os salões, e todos o compravam. \o anonimato foi facilmente desvendado; a fortuna literária do autor, estava feita, sobretudo depois da publicação em 1830, das "Cenas da Vida Privada", deliciosos quadros de interior, que o reconciliavam com todo o público feminino." 
P.R.
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Esta é mais uma parte sobre a vida de Balzac. 
LEIA TAMBÉM > AS CARTAS DE BALZAC

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