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terça-feira, 1 de julho de 2014

BALZAC - A SUA DILECTA


BALZAC - A SUA DILECTA 
                   Esta pessoa só podia ser uma mulher amorosa. Para adivinhar neste industrial de romances de cordel o futuro autor da Comédia Humana, não bastaria a inteligência mais penetrante; era preciso intuição do amor.  
                   Decorrido o prazo combinado para dar provas do seu gênio, Balzac teve de voltar a Villeparisis. Conquanto se tivessem resignados a não lhe impor mais o notariado, os pais achavam a vida de província mais saudável para ele e, principalmente, mais econômica para eles. Talvez alimentassem, ao mesmo tempo, a ilusão de que, menos exposto às tentações da glória, seu filho acabaria renunciando a literatura. Cedo tiveram, porém, de abandonar tal esperança, pois foi em Villeparisis que Balzac escreveu a maioria dos romances inconfessáveis de seu primeiro período; de lá, levava seus manuscritos à próxima capital. 
                  Depois do casamento da irmã Laure, que fora viver com o marido em Bayeux, o jovem literato sentia-se muito só numa casa onde o compreendiam tão pouco. Estava, aliás, na idade em que se espera impacientemente a grande paixão; demais, além do fogo de um amor, buscava também, sem o saber, o calor menos veemente de outro sentimento que sempre lhe fizera falta: a afeição materna. Uma mulher lhe traria um outro. 
                  " A celeste criatura de quem a senhora de Mortsauf do Lírio do Vale é apenas uma pálida cópia" era a esposa do senhor Gabriel de Berny, conselheiro da Corte, vizinho de Balzac em Villeparisis. Mulher de uma beleza melancólica e um tanto murcha, tinha em seu passivo vinte e oito anos de casamento, sete filhos vivos (dos nove que tivera) e a idade de quarenta e quatro anos, um pouco maior do que a senhora Balzac e exatamente o duplo da de Honoré.  A tristeza patética e a força desesperada do seu maior e último amor decorrem desses algarismos implacáveis. Um matrimônio fecundo mas infeliz, a reclusão num lugarejo morto onde o marido viera restabelecer a saúde abalada, as inquietações permanentes causadas pelas doenças de seus filhos e, por outro lado, seu espírito fino e culto, sua imaginação excitada pelas leituras, suas reminiscencias de uma infância feliz, passada à margem da Corte, tudo a predispunha à aventura, e foi com alvoroço que acolheu a suprema e imprevista oportunidade que se lhe ofereceu na pessoa um pouco vulgar e barulhenta, mas boa, forte, alegre e interessante, do jovem Balzac em quem ela, só ela, descobria, pelo fogo dos olhos, pela vivacidade dos gestos, pela firmeza da fé em si mesmo, por mil pormenores impossíveis de definir, o gênio vindouro. Umas aulas dadas pelo moço ao caçula do casal serviram de prelúdio ao namoro, iniciado por uma série de cartas patéticas que o futuro romancista enche de tiradas inflamadas (às vezes simplesmente copiadas  de suas leituras) para vencer a resistência não muito forte da "mulher de 40 anos". O amor dos dois devia durar mais de dez anos para depois se transformar em amizade profunda, só se apagando com a morte de Laure em 1836. 
                Todos os biógrafos do romancista insistem na influência importante exercida pela Dilecta (nome dado por Balzac à sua amiga) sobre o rumo não apenas da vida, mas da obra deste. Animando-o desde o começo de sua carreira, não cessava de aconselhá-lo no apogeu de sua glória, lia-lhe as obras, estimulava-o com elogios, forçava-o com censuras a se emendar; ajudava-o eficazmente, como veremos, em suas dificuldades financeiras. Má esposa e mãe infeliz, soube ser amante perfeita. 
                 Foi ela, sem dúvida, que lhe afinou os gostos rústicos e aprimorou as maneiras pouco elegantes, polindo-lhe as asperezas com o tato de sua experiência. Só ela teria a coragem de observar ao romancista vitorioso que, "seus anjos falavam como raparigas".  Balzac a tinha em conta de um árbitro seguro e executava religiosamente as modificações que ela lhe impunha. Em sua última carta, a moribunda podia com razão orgulhar-se de sua contribuição à glória de Balzac, a quem   consagra o que tinha de melhor na alma:"Posso morrer; estou certa de que você te na fronte a coroa que eu nela quisera ver. O Lírio do Vale, é uma obra sublime, sem mancha nem falta". O amante não pecou por falta de gratidão. Mesmo quando a velhice extinguiu os encantos da Dilecta, conservava-lhe uma afeição sincera, e, antes e depois da morte dela, costumava lembrá-la a suas outras amantes e amigas sempre com verdadeira veneração. 
                 Durante muito tempo, pairou dúvida sobre a identidade da Dilecta. Fopram George Vicaire e Gabriel Hanotaux que, ao examinar os papéis da falência de caracteres Laurent,     Balzac & Barbier, de que mais adiante falaremos, descobriam neles o nome da senhora de Berny que ocorreu no momento crítico e fez-se sócia de Balzac para salvar a firma. Outras pesquisas permitiram aos dois estudiosos estabelecer que ela, em solteira Laure-Louise Antoinette, era filha de um harpista alemão da rainha Maria Antonieta e de uma camareira da mesma; seus padrinhos eram nada menos que o rei Luiz XVI e a rainha. Tinha sete anos quando lhe morreu o pai e dez quando sua mãe casou em segundas núpcias com o cavalheiro de Jajayes, monarquista conhecido por haver tentado salvar a rainha no momento da Revolução. Com a mãe, o padrasto e o marido (com quem casara em 1793), Laure foi presa em 1794 e só conseguiu salvar-se graças à queda de Robespierre. Sua mãe conservava até o fim da vida uma madeixa de cabelos e um par de brincos que Maria Antonieta lhe mandara antes de morrer. Testemunha de conspirações e tramas, participante de fugas e perseguições, remanescente de uma corte brilhante, a Dilecta contava a Balzac todas as cenas romanescas da sua mocidade, e o escritor estreante sorvia-lhe as palavras, de que se lembraria ao escrever Um Episódio do Terror e O Avesso da História Contemporânea. Contrariamente ao que se poderia pensar, não foi a Dilecta que inspirou a ideologia política de Balzac; mulher de inteligência superior, clarividente e generosa, ela compreendia que "a Revolução contra as andadeiras dos homens" e, ao ver o seu Honoré enveredar pela atalho do legitimismo, advertiu repetidas vezes contra o perigo de se comprometer com os monarquistas. "Mesmo que vencesse", - escreveu-lhe numa das poucas cartas que dela se conservam - "esta gente, que sempre foi ingrata por princípio, não mudaria por tua causa; tem todos os defeitos do egoísmo... e um desdém que toca as raias do desprezo, por aqueles que saíram de um outro sangue". 
                    As tendências monarquistas de Balzac, originadas por seu esnobismo (lembre-se o caso da partícula!) devem ter sido fortalecidas pela atmosfera geral da época, em que era de moda entre os jovens literatos ser favorável à Restauração - da qual precisamente o futuro apóstolo republicano, Victor Hugo, era o poeta oficial - pelo exemplo de certos amigos e, principalmente, de certas amigas. Sim, a vida toda de Balzac parece subordinada a influências femininas. Entre estas, conta-se a da duquesa de Abrantes, sua amante durante algum tempo e cujas Memórias mais tarde o escritor levaria, por gratidão, a um editor amigo. Pouco mais moça do que a senhora de Berny e muito mais velha do que Honoré, esta famosa intrigante atraía o jovem escritor menos por seus encantos já algo murchos, do que pelo reflexo de seu antigo brilho, o falso luxo de seu salão e seus sonhos áulicos. Às intermináveis palestras em seu boudoir (suite) a sombra de Metternich, seu antigo amante, devia estar presente, segundo uma observação mordaz da senhora Berny.  
                    Duas outras mulheres, mais moças e mais belas, viriam logo depois continuar a obra da duquesa de Abrantes, acendendo cada vez mais na alma de Balzac o desejo de ascensão social. Mas desde 1824. data em que publica dois panfletos, Do Direito de Primogenitura e História Imparcial dos Jesuítas, aparece já como partidário militante da Monarquia da Igreja. Teremos a ocasião de Demonstrar que nem por isso a Comédia Humana, este grandioso fresco da sociedade da Revolução, ficaria manchada de parcialidade, pois o gênio do autor, felizmente, sobrepujou as tendências do seu espírito.  Mas o homem nunce se liberta desse deplorável esnobismo que lhe faria buscar as rodas aristocráticas, estragando-lhe a felicidade e, na literatura, desviando-lhe o interesse das largas camadas do povo. Tinha todos os dotes para ser pintor de toda a sociedade de sua época, mas a ambição restringiu-lhe o horizonte às classes superiores, da burguesia para cima, e impediu-o quase totalmente de viver o drama dos mais pobres. 


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BIOGRAFIA SIMPLIFICADA DE BALZAC
Por Nicéas Romeo Zabchett

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