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domingo, 20 de julho de 2014

BALZAC - EDITOR E IMPRESSOR


                 "Se a literatura de cordel rende o suficiente para salvar Balzac do notariado e fazê-lo ganhar a vida, não lhe garante ainda a independência para a realização das grandes obras sonhadas, das quais, passados vinte e seis anos, ainda não escrevera a primeira linha.  No contato com os editores que lhe publicavam as produções anônimas, ocorreu a Balzac a ideia de adotar-lhes a profissão. Começaria editando obras alheias, cujo lucro lhe traria o desafogo indispensável para finalmente escrever as suas. 
                 A ideia concretizou-se no dia em que o livreiro Urbain Canel encomendou a Balzac um prefácio para a edição, num só volume, das obras completas de La Fontaine que estava preparando. Entusiasmado com o plano de reunir num único volume compacto o material de muitos volumes de formato comum, o prefaciador vislumbrou um êxito comercial extraordinário. Nenhum amador de La Fontaine, pensara ele, deixaria de comprar uma edição tão prática, mesmo que já tivesse as obras soltas. Não contente de escrever o prefácio, pediu ao livreiro que o associasse à empresa. Em breve está constituída a sociedade, com participação de Balzac, Canel e terceiros, para a publicação de "Obras completas dos grandes escritores num volume só". O La Fontaine ainda estava no prelo, quando se começou a compor o Molière. 
                  Foram os associados que começaram a duvidar do bom êxito, ou, pelo contrário, foi Balzac que, arrebatado pelo otimismo, queria para si todo o fabuloso da iniciativa? Seja como for, em 1 de março de 1826 a sociedade é dissolvida, ficando Balzac como único proprietário. Desinteressando os ex-sócios, compra-lhes a firma por uns nove mil francos, dinheiro este emprestado por Dilecta.  A necessária inversão de capital novo, cinco mil francos, é fornecida por um senhor d'Assonvillez, amigo da família. 
                 O programa da editora era, na verdade, interessante. Edições análogas realizadas mais tarde (na Inglaterra, das obras completas de Shakespeare; na França, recentemente, de vários clássicos franceses nos volumes compactos da edição da Pléiade, etc.) deram excelente resultado. Infelizmente os contemporâneos de Balzac não gostavam da coleção, talvez por causa dos caracteres fininhos, das gravuras mal executadas ou do preço elevado. As livrarias recusavam os La Fontaine e os Molière, e a edição teve de ser vendida aos trapaceiros ao preço de papel sujo. 
                  Meditando sobre o insucesso, julgou-o Balzac seria devido a motivos puramente técnicos. Os impressores trabalhavam mal e cobravam caro. Se a editora possuísse tipografia própria, o trabalho sairia melhor e mais barato, podendo-se vender os livros a preços bem mais acessíveis.  Richardson, autor de Clarisse Harlowe, um verdadeiro best-seller, imprimia por sua conta os próprios livros. Balzac resolve então comprar uma tipografia que justamente nessa ocasião estava a venda; compra-a pela ninharia de trinta mil francos. Como não entende do ofício, associa-se a um tipógrafo, Barbier, a quem indeniza pelo abandono do emprego com doze mil francos. Mais quinze mil são necessários para pagar a licença, obtida graças à intervenção do conselheiro de Berny (o marido enganado!). O senhor d'Assonvillez, ansioso em recuperar o primeiro capital, empresta um segundo a Balzac. O pai deste consente em entregar ao filho o capital de que lhe enviara os juros a Paris durante os anos da aprendizagem literária. A Dilecta empenha outra parte de seus bens.  É só pôr as máquinas em movimento. 
                   Ainda dessa vez a ideia era boa. Além dos trabalhos da editora, a tipografia aceitava encomendas vindas de fora - ou, antes, aceitaria, pois elas escasseiam cada vez mais e ao cabo de poucos meses a empresa se torna deficitária nas mãos do novo proprietário. Balzac entra a meditar outra vez e sai com outra observação exata: a impressão custava caro, porque a tipografia pagava caro os caracteres. Era preciso fabricá-los em casa. Daí a comprar uma fundição de caracteres - era um passo. Balzac comprou uma, falida, e ei-lo quase senhor de si. Se conseguisse fabricar o papel (etapa a que necessariamente haveria chegado se a empresa tivesse vivido mais tempo), alcançaria a autonomia completa de sua editora. 
                   As concepções de Balzac não só eram justas, mas também essencialmente modernas. Compreendeu perfeitamente a interdependência das indústrias do papel e do livo e foi um dos primeiros a considerar a editora como simples intermediária entre a tipografia e o público, mas sim como coordenadora de múltiplas atividades industriais, isto é, o tipo da grande empresa capitalista. Oque faltava era apenas os capitais. As dívidas ainda não tinham começado a ser pagas, e a casa exigia sem cessar novos investimentos. Barbier assustou-se e abandonou a sociedade. A família Balzac, depois de alguns meses de esforços, recusou-se a supri-lo de dinheiro. Não havia com que pagar os operários, que recorreram ao tribunal. A senhora de Berny, alarmada, entrou a fazer parte da firma; nada porém, podia já impedir a debandada. Em abril de 1828 seria inevitável a falência se não fosse a intervenção dos pais de Balzac, ciosos da honra do nome. Liquida-se tudo,vendem-se a tipografia e a fundição. Para Balzac resta apenas uma dívida de uns setenta e tantos mil francos e uma ótima oportunidade para dar um tiro na cabeça. 
                    Felizmente, desta vez declinou a solução lógica. Estudante falhado, escrivão despedido, dramaturgo vaiado antes da representação, mau romancista escondido sob pseudônimos, comerciante falido, tendo a cercá-lo o desprezo da família e a comiseração dos amigos, escreve à duquesa de Abrantes: "Posso lhe afirmar, minha senhora, que se tenho uma qualidade, é aquela que vê recusarem-me com a maior frequência, aquela que todos os que julgam conhecer-me são unânimes em me negar: energia." 
                   Durante os anos duros da estréia literária, da editora e da tipografia - que revivera magnificamente em Ilusões Perdidas - as experiências amargas da sensibilidade, as contínuas decepções e a luta recomeçada tantas vezes, o duro contato cotidiano com a impiedosa vida moderna, amadureceram o romancista, que sentia em si um desabrochar de dons maravilhosos e de repente se julgava de posse, ele mesmo nem sabia como, de todos os meios de um artista. Para ele a vida tinha agora dois fins: tornar-se famoso e, para pagar as dívidas, rico. Felizmente a mesma atividade levava a esses dois fins. Bastava escrever uma dúzia de obras primas. Foi o que fez. "
P.R. 
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Esta é mais uma parte da vida de Balzac, como empresário
Nicéas Romeo Zanchett 


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